Nos últimos dias, o país tem estado debaixo de chuva intensa, ventos fortes, estradas alagadas, escolas encharcadas e muita gente a tentar continuar a vida normalmente, como se não estivesse uma tempestade lá fora. Enquanto escrevo este texto, olho para a minha cadela (enrolada, tranquila, aninhada numa manta, a viver alinhada com a Natureza lá fora) e penso: quem é que aqui é realmente inteligente?
A verdade é que ela sabe. Sente o vento a bater nas janelas e decide que hoje não é dia para aventuras. Hoje é dia de recolher, descansar, conservar energia. No entanto, quando o sol aparecer, vai levantar-se com outra disposição, querer brincar, explorar, mexer-se.
Fico a contemplar isto e a pensar no contraste entre o instinto animal e a forma como nós, humanos modernos, vivemos: completamente desligados dos ritmos da natureza e dos nossos próprios ritmos internos.
A sociedade moderna
Criámos uma sociedade em que, esteja sol ou chuva, somos obrigados a produzir. As crianças têm de ir à escola, os adultos têm de ir trabalhar.
Ou seja, nada pára. Nada abranda. Nada se ajusta.
Não haverá algo de profundamente contra-natura nisto?
Somos a única espécie do planeta que tenta viver como se o clima, a estação, o dia, a noite não tivessem influência nenhuma sobre nós; como se fôssemos máquinas. Até parece que o corpo não está constantemente a tentar comunicar connosco.
Pergunto: será que fomos desenhados para ser produtivos num dia de dilúvio? Que impacto tem isto na nossa energia, humor, regulação emocional, níveis de stress e ansiedade? Quantos de nós andam exaustos simplesmente porque vivem contra a direção natural da vida?
É que a natureza sabe. O mar avança e recua. A terra descansa e produz. As árvores largam as folhas para sobreviver ao inverno. Os animais recolhem. E nós? Forçamo-nos a continuar, como se nada mudasse à nossa volta. Não admira que sintamos desequilíbrio a tantos níveis.
O impacto não viver alinhada com a Natureza
Vivemos numa cultura que nos desconecta do essencial. Trabalhar por turnos é normalizado, mesmo sabendo o impacto brutal que isso tem na saúde física e mental. Uma cultura em que ficamos acordados até tarde, em frente a ecrãs, contra o nosso relógio biológico, e depois acordamos exaustos, irritados, drenados. Desde cedo aprendemos, olhando para os adultos que nos rodeiam, que devemos trabalhar mesmo doentes, como se o descanso fosse uma fraqueza.
E depois perguntamo-nos: Porque é que estamos todos tão ansiosos, cansados, desconectados? Talvez porque, como espécie, passámos as últimas décadas a ignorar a forma como o corpo foi desenhado para viver.
Sinto cada vez mais que uma das raízes do nosso mal-estar colectivo está precisamente aqui: vivemos a um ritmo que não é humano. Seguimos regras que não são naturais. E medimos o nosso valor pela nossa capacidade de resistir a isto tudo.
Reconectar
Acredito que voltar aos ritmos da natureza não é idealismo; é uma necessidade. É saúde, inteligência biológica e uma forma útil de utilizar sabedoria ancestral.
E então impõe-se a pergunta: como é que começamos a regressar ao que faz sentido?
Com pequenas escolhas. Com mais respeito pelo corpo; mais dias de pausa quando tudo em nós nos pede essa pausa; mais consciência do mundo à nossa volta e dos sinais do corpo; mais coragem de questionar aquilo que sempre nos disseram ser “normal”.
Porque a verdade é que, quando a natureza fala, nós devíamos ouvir. E hoje, com o vento a bater lá fora, a minha cadela ensina-me isso melhor do que qualquer livro.
